Há cidades que não se caminham — se atravessam como se atravessa um sonho, um sonho que não começa no momento em que se chega nem termina quando se parte, um sonho que já estava ali, esperando, como uma história antiga que reconhece o leitor antes mesmo que ele abra o livro. Safed é assim, com suas ruas estreitas de pedra azulada, as portas de madeira gastas que parecem suspirar quando se abrem, o vento que sobe e desce pelas ladeiras como se fosse ele o verdadeiro habitante da cidade, e não as pessoas. Ali, o ar é feito de orações, e não de oxigênio, e cada passo que se dá é também um passo dentro de séculos que não cabem no calendário.
Eu fui para estudar, ou pelo menos era isso que pensava. Isaac Luria, Abulafia, Shimon Bar Yochai — nomes que até então eram apenas letras impressas, rabiscos em livros que eu carregava como quem carrega mapas de lugares que talvez nunca se veja. Mas ali, eles não estavam nos livros, estavam no ar, nos becos, nas conversas sussurradas, no olhar de quem passa e não se detém, e no olhar de quem passa e para. E foi assim que, sem aviso, um rabino me deteve na rua, perguntou se podia me dar uma bênção. Eu disse que sim, porque o que mais se poderia responder em Safed, cidade onde cada esquina parece um altar? Ele colocou as mãos sobre minha cabeça e falou palavras que não compreendi por inteiro, mas que entraram em mim como água que encontra fenda na rocha, e que fica lá, guardada, esperando o dia de brotar.
E não foi apenas ele. Vieram outros. E mais outros. Homens de barba longa, chapéus que sombreavam não apenas o rosto, mas também a pressa, olhos que pareciam saber de mim mais do que eu mesmo. Perguntavam se eu era casado. Eu, nos meus vinte e poucos anos, convencido de que o mundo era largo demais para ser dividido com alguém, respondia que não. E então, como se essa resposta fosse uma senha, começavam a rezar por meu futuro casamento, por uma esposa que eu não procurava, por um lar que eu não imaginava. E eu sorria, e por dentro ria um pouco, mas dizia “Amém” com kavaná, não porque acreditasse, mas porque sentia o peso leve e impossível de recusar da fé deles, e respeitar aquela fé era como respeitar a própria cidade.
Uma manhã, o sol ainda se espreguiçando por trás das casas, um homem de barba espessa e olhar firme me parou e perguntou:
— Já colocou os tefilin hoje?
Respondi que não. Ele não aceitou a resposta como negativa, apenas como adiamento. Pegou as tiras, guiou minhas mãos, apertou o couro contra minha pele, envolveu meu braço como quem ata um pacto invisível entre o céu e a terra. Tirou uma foto. Disse seu nome: Avraham. Não esqueci. Nunca se esquece de certos nomes, não porque sejam raros, mas porque chegam carregados de um sentido que não se explica. Avraham — tantos sábios, tantos professores que admiro se chamam assim. Talvez naquele momento o nome fosse menos um nome e mais um presságio.
E assim foi até eu partir, carregando comigo não lembranças no sentido comum, mas bênçãos, muitas, como se fossem sementes invisíveis plantadas em um bolso que eu não sabia que tinha.
Os anos passaram, e um novembro de 2014 me trouxe algo que nenhum calendário havia prometido: conheci minha esposa. No mesmo mês em que, anos antes, eu havia pisado a Terra Santa. E às vezes, quando a vejo, quando penso em tudo o que foi necessário para que nossas vidas se encontrassem, lembro das ruas de Safed, dos rabinos que me paravam, das mãos sobre minha cabeça, das perguntas que me surpreendiam — “é casado?” — e das orações ditas com a força tranquila de quem sabe que o tempo não é obstáculo para o que é verdadeiro.
Hoje entendo. Aquelas palavras, lançadas ao vento frio das montanhas, não se perderam. Procuraram-me, seguiram-me, atravessaram os anos e me encontraram.
E se algum desses tzadikim um dia se lembrar daquele jovem que aceitava cada bênção como quem aceita um gole de água num dia de sede, que saiba, de algum modo que não depende de cartas nem de voz, que também ele foi abençoado.