Em alguma manhã de novembro, encoberta pelas nuvens que a tornavam ainda mais distante daquilo que seria o real, Gabriel e Benjamin viajavam para a cidade sagrada de Safed. Não que fosse um destino planejado ou uma busca fervorosa pela revelação de um mistério. Não havia ali, nos olhos dos dois, o peso de uma fé religiosa ou a ansiedade mística de quem busca respostas. Eles apenas desejavam estar no lugar onde algo imensurável acontecia, sem entender exatamente o quê.
Safed, ou Tzfat, nome que ressoa como um sussurro antigo, é o berço da Kabbalah, o mistério que transcende o judaísmo visível e se lança, como um perfume, para além dos sentidos. A cidade, situada nas montanhas do norte de Israel, longe do agito de Jerusalém ou Tel Aviv, era um espaço reservado ao silêncio, à memória e à reflexão. Ali, pensaram eles, repousam os grandes cabalistas, os mestres que, através de seus escritos, têm o poder de acender faíscas de luz nos corações daqueles que os buscam, mesmo sem saber ao certo o que procuram.
Chegaram a Safed sob um sol frio, uma luz morta que tingia as pedras antigas de cinza. As oliveiras e as videiras que bordavam o caminho eram como testemunhas mudas do tempo, imponentes e, ao mesmo tempo, discretas. Nada mais poderia ser mais perfeito para Gabriel e Benjamin do que esse cenário de quietude, onde o peso da história se fazia sentir em cada passo dado.
Ao chegar na pequena pousada, onde haviam feito a reserva, o encontro com a dona foi, por assim dizer, um pequeno imprevisto de afeto. Ela, com seu semblante tenso e os olhos desconfiados, os recebeu de forma ríspida, como se não os esperasse. A confusão era simples: chegaram antes do horário, e a dona da pousada, com seus gestos rápidos e sem paciência, não conseguira preparar o chá ou os biscoitos, símbolos pequenos, mas essenciais, de uma hospitalidade que ela talvez não soubesse praticar, ou que a própria ansiedade a impedisse de expressar.
“É que vocês chegaram mais cedo”, disse ela, com um tom que misturava contrariedade e culpa. Gabriel e Benjamin, desconcertados, se desculparam, e, ao mesmo tempo, se surpreenderam com a seriedade dessa mulher, que parecia sentir-se responsável pela perfeição de tudo, até pelos pequenos gestos. Não era apenas uma dona de pousada; ela era, antes de tudo, uma guardiã do acolhimento que transcende as palavras.
A pousada, simples e sem adornos, estava imersa em uma paz única. O ambiente era moldado pelas árvores que se estendiam até onde a vista permitia alcançar, e pelas frutas que pendiam, quase teimosas, esperando o momento exato para serem tocadas. O ar, fresco e impregnado de um perfume que parecia vir da própria terra, dava a Gabriel e Benjamin uma sensação de que ali estavam, não apenas em um lugar geograficamente remoto, mas em um ponto suspenso no tempo.
Pela manhã, sentados à mesa, os dois se entregaram à simplicidade de pães frescos, geléias, croissants, ovos com especiarias. O café quente, profundo como o som dos passáros que cantavam por entre as árvores, parecia ter sido feito apenas para aqueles minutos. O silêncio, quebrado de tempos em tempos pela música suave que preenchia o ar, envolvia-os como uma carícia.
Com a mesma intensidade com que receberam a simplicidade do momento, a dona da pousada os surpreendeu novamente, entregando-lhes pães e pedindo que levassem para a caminhada pela cidade. Havia algo de maternal em seu gesto, uma preocupação com a fome que, mesmo não verbalizada, os tocou de maneira profunda. Ela queria que o mundo fosse perfeito para eles, que o tempo fosse suficiente, que a experiência fosse redonda e completa. Gabriel e Benjamin, tocados por isso, não podiam deixar de pensar em como aquela mulher, simples e ao mesmo tempo tão complexa, fazia da sua rotina um espaço de pura entrega, de um tipo de afeto que se dava sem espera.
E, então, na cidade, o inexplicável se instalou. Um rabino, que parecia sair do tempo, parou Gabriel e perguntou-lhe, com uma voz doce, se ele já havia colocado o tefilin, aquele pequeno filactério usado pelos judeus durante a oração matinal. Gabriel, desconfortável, não sabia o que responder. Tentou se esquivar, mas o rabino, com um sorriso sereno e cálido, o convidou a entrar em sua loja, onde o ajudou a colocar o tefilin e fez uma oração. Ao final, como se não fosse nada, perguntou-lhe: "Você é casado? Quer se casar?"
A pergunta, simples e direta, reverberou em Gabriel de maneira inquietante. Não era a primeira vez que alguém fazia essa questão, e isso o incomodava. Mas, ao mesmo tempo, algo naquelas palavras, pronunciadas com a suavidade de quem não espera nada em troca, penetraram naquelas camadas mais profundas de Gabriel, tocando-o com a força de um sinal invisível.
Passaram os dias de visitas à cidade. À sinagoga de Isaac Luria, o Ari Hakadosh, onde as velas acesas deixavam o ar ainda mais denso, mais sagrado. A cada novo encontro com rabinos e estudantes, a pergunta do casamento surgia novamente. E, por mais desconcertante que fosse, algo em Gabriel começou a mudar. Havia uma força na repetição, no desejo de conectar vidas, no anseio de perpetuar algo mais do que simples atos. Era como se aquela cidade, com toda a sua carga mística e religiosa, tivesse algo a dizer sobre o elo entre as pessoas, o encontro, o destino.
Na visita ao cemitério, onde repousam os grandes cabalistas, algo se revelava aos poucos. Gabriel não conseguia entender, mas sabia que estava ali, diante de algo que transcendia as palavras. As pedras dos túmulos, os pequenos gestos, as orações repetidas – tudo parecia fazer parte de uma trama invisível que se entrelaçava ao redor de sua vida.
E então, anos depois, o que poderia parecer uma mera coincidência se tornou, para Gabriel, uma revelação. Quando ele e Anna, a mulher que conheceu algum tempo depois, decidiram se casar, escolheram o mesmo dia em que ele estava em Safed com Benjamin, naquele passeio que parecia ter sido uma visita a algo que já existia em seu destino. O dia, o mesmo exato dia, marcou o momento em que o destino se cumpriu de maneira silenciosa, como a lembrança de um passado que não pode ser alterado.
Ao contar para Benjamin, que estava longe, a notícia de seu casamento, Gabriel foi tomado pela emoção. E Benjamin, no mesmo momento, estava ali, em sua própria vida, fazendo a mesma escolha. Ele também tinha pedido sua amada em casamento naquele mesmo dia. O mistério da Kabbalah, com suas revelações sutis, os uniu de uma maneira invisível, como se a cidade sagrada tivesse sido, de fato, a grande iniciadora de tudo.
A jornada deles em Safed não foi uma busca. Não era necessário. Eles já haviam sido tocados, desde o momento em que aquela mulher, a dona da pousada, os recebeu com o peso da perfeição não cumprida, até os rabinos, cujas palavras não exigiam explicações. Eles, em algum lugar secreto do tempo, haviam sido preparados para aquilo. E o casamento, a escolha, o amor – tudo se uniu em um momento que já estava escrito, ainda que nenhum deles soubesse disso. A vida, como sempre, se revelou em seu próprio ritmo, imperceptível, mas indiscutível.